Lesões musculares: como ocorrem?
Inicialmente, vou abordar alguns conceitos de anatomia
que muitos não conhecem e que são essenciais para compreender por que
ocorrem alguns tipos de lesões nos esportistas de maneira geral e nos
bailarinos em particular.
Articulação é a união de um osso a outro. Exemplos de
articulações no corpo humano são o ombro, o quadril, o joelho e o
tornozelo. Os ossos são ligados uns aos outros por ligamentos e por
músculos, sendo que a parte final dos músculos, que se prende aos ossos,
é denominada tendão.
A principal diferença entre ligamentos e músculos é que
os ligamentos não são capazes de se contrairem e de produzirem
movimento; sua função é apenas a de dar estabilidade a uma articulação.
Os músculos, pelo contrário, são capazes de se contrairem e produzirem
movimentos, além de ajudar na estabilização.
Para cada grupo de músculos capaz de realizar um
determinado movimento existe outro grupo de músculos capaz de evitar
este movimento e de gerar o movimento oposto. Assim, por exemplo, existe
um grupo de músculos que faz o joelho esticar e outro que faz o joelho
dobrar. Músculos que realizam o mesmo tipo de movimento são chamados
agonistas, e os que realizam movimentos opostos, antagonistas.
O movimento de uma articulação depende, desta forma, do
equilíbrio da musculatura que a cruza. Assim, se os músculos que fazem o
joelho esticar estiverem se contraindo com mais força do que aqueles
que fazem o joelho dobrar, o joelho irá esticar. Os músculos flexores do
joelho (aqueles que fazem o joelho dobrar), mesmo que estejam
produzindo força, se alongarão. Este processo é semelhante ao que ocorre
em uma brincadeira de cabo de guerra, quando um grupo de pessoas, mesmo
tentando puxar a corda para trás, é puxada para a frente.
Quando existe um desequilíbrio de forças entre um grupo
muscular agonista e um grupo antagonista, o grupo mais fraco terá que
fazer um esforço excessivo para manter a estabilidade de uma articulação
e entrará em fadiga. Caso o esforço persista, o músculo não mais será
capaz de resistir à força realizada pela musculatura antagonista e
ocorrerá uma lesão muscular.
Evitando lesões musculares
Ao se compreender o que causam as lesões musculares,
fica muito mais fácil de se compreender o que pode ser feito para evitar
estas lesões. Abordarei aqui alguns aspectos excenciais na prevenção
das lesões musculares.
1. Reequilíbrio muscular
A maior parte das atividades físicas, entre as quais a
dança, requer a repetição de movimentos. Com o tempo, isso faz com que
certos grupos musculares fiquem muito mais fortalecidos do que seus
antagonistas. Um exemplo é a posição em dehors, preconizada na
maior parte dos exercícios do ballet, na qual ocorre a rotação da perna
para fora. A musculatura que mantém a perna em dehors é muito mais trabalhada do que a musculatura que mantém a perna em dedans. O desequilíbrio de forças pode levar a uma lesão dos músculos rotadores internos do quadril (responsáveis por manter a perna em dedans).
Da mesma forma, os músculos dorsais na coluna são muito mais
trabalhados do que os abdominais, e diversos outros exemplos poderiam
ser dados.
As pessoas que praticam esportes com uma carga horária
elevada devem, desta forma, buscar intercalar diferentes tipos de
exercícios. No caso dos bailarinos, por exemplo, é recomendável também
praticar outras formas de atividades físicas, buscando trabalhar os
grupos musculares que não são muito exigidos na prática da dança. Isso
evita as lesões musculares bem como outras lesões por sobrecarga, como
as tendinites e as dores articulares em geral.
2. Alongamento
A falta de alongamento adequado faz com que a
musculatura trabalhe sempre no seu limite, colocando-se sob o risco de
lesão. Os bailarinos possuem um alongamento excessivo nas suas
articulações, mas vale lembrar que os exercícios realizados no ballet
também exigem movimentos que vão além do que seria considerado normal
para a população em geral. Portanto, não deixem de fazer os exercícios
adequados de alongamento!
3. Aquecimento
A musculatura, quando não está aquecida, tem uma
capacidade limitada de se alongar. Se os exercícios forem iniciados sem o
aquecimento adequado, ao se tentar realizar movimentos que exijam
grande alongamento da musculatura esta ficará sob risco de lesões.
4. Evitar fadiga
Já foi usado o exemplo do cabo de guerra, que usarei
novamente. Quando as pessoas estão cansadas, fica muito mais fácil elas
serem puxadas para o lado oposto. Com a musculatura ocorre o mesmo, e
uma musculatura fatigada está mais arriscada a ter lesões. Isto explica
por que as lesões musculares ocorrem com mais frequência ou no início
dos exercícios (quando a musculatura não está aquecida) ou no final
(quando há fadiga).
Portanto, ao praticar a dança – e isso vale para
qualquer esporte! –, é importante seguir alguns princípios: não exceda
na carga horária se seu corpo não estiver preparado para isso; evite
aumentos repentinos na carga horária; alimente-se adequadamente; tenha
períodos de descanso adequado, e respeite este período para realmente
descansar – um período de sono adequado é essencial.
Me machuquei. E agora?
As lesões musculares podem ser classificadas em três graus crescentes de gravidade:
Grau I: estiramento muscular. Ocorre
uma deformação das fibras musculares, que se tornam alongadas e não são
capazes de retornar ao comprimento original. Essas lesões produzem pouca
limitação e em um curto período o atleta poderá retomar as
performances.
Grau II: rotura de algumas fibras
musculares (rotura incompleta do músculo). Essas lesões produzem maior
limitação e exigem maior período de afastamento.
Grau III: Rotura completa do músculo.
Essas lesões exigem período ainda maior de afastamento e em alguns casos
pode até ser indicado o tratamento cirúrgico.
Um profissional experiente é capaz de avaliar
razoavelmente bem o grau de gravidade de uma lesão apenas examinando o
paciente, mas em casos mais incapacitantes é benéfico fazer uso de
ultrassonografia ou ressonância magnética para ajudar, pela imagem, a
determinar o grau da lesão.
O tratamento inicial, no entanto, é o mesmo,
independente da gravidade da lesão, e o ideal é que seja iniciado assim
que a lesão ocorre, de preferência ainda no local onde ocorreu. Consiste
de cinco fatores denominados em inglês pela sigla PRICE (Protection,
Rest, Ice, Compretion and Elevation), que, traduzindo para o português,
seria Proteção, Repouso, Gelo, Compressão e Elevação.
Proteção: pode variar do simples
afastamento da atividade esportiva até o uso de muletas ou mesmo a
imobilização, dependendo da intensidade da dor.
Repouso: deve ser o maior possível para evitar a dor
Gelo: pode-se colocar uma bolsa de gelo
sobre o local lesionado por cerca de 15 minutos, com intervalo mínimo
de 4 horas entre as aplicações; períodos maiores do que 15 minutos ou
menores do que 4 horas de intervalo podem ser prejudiciais.
Compressão: feita através de enfaixamento, sem tensão excessiva.
Elevação: de acordo com o local e a gravidade, elevar a região acometida.
A avaliação da lesão por um médico especializado é
importante para determinar qual a musculatura acometida e qual o grau da
lesão, para que seja indicado o tratamento correto. Além dos fatores
indicados acima, que podem ser iniciados pelo próprio atleta, pode-se
usar medicamentos para o controle da dor, mas isso não deve ser feito de
forma indiscriminada: os antiinflamatórios, por exemplo, usados muitas
vezes sem prescrição médica, podem prejudicar a cicatrização muscular se
tomados em excesso.
O retorno à prática do esporte deve ser feito conforme
orientação médica. O retorno precoce, assim que a dor melhora, pode
levar a uma re-rotura, e todo o período prévio de tratamento terá sido
perdido.
Peculiaridades da dança em relação às lesões musculares
As lesões musculares mais frequentes ocorrem na região
posterior da coxa, e entre os bailarinos isso não é exceção. Entre eles,
porém, o padrão das lesões é diferente.
Na maioria dos atletas, como os jogadores de futebol e
os corredores, por exemplo, as lesões ocorrem devido a contrações
musculares muito intensas, como em uma corrida rápida. Em geral, essas
lesões ocorrem pouco acima do joelho.
No caso dos bailarinos, as lesões ocorrem em movimentos
relativamente mais lentos, porém com uma amplitude de movimento
excessiva. A região acometida em geral é mais acima, próxima ao quadril,
e infelizmente a recuperação destas lesões é mais difícil: a
vascularização do músculo nesta região é pior, fazendo com que o tempo
de recuperação seja mais prolongado; a dor nem sempre é um bom
parâmetro, uma vez que costuma ser relativamente mais leve, dando a
impressão de que a recuperação será fácil; as cicatrizações
insuficientes e a re-rotura destas lesões são bem mais frequentes do que
aquelas que ocorrem próximas ao joelho.
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